Expressão Facial como símbolo de objeto

Reflexão psicológica e psicanalítica sobre o Episódio "Eulogy", da 7ª Temporada da Série Black Mirror, presente na Netflix.

PsiPerso

7/21/20254 min read

🎻 Quando o rosto se apaga: memória, dor e reconciliação consigo mesmo, em Eulogy

Nesse fim de semana, assisti ao episódio "Eulogy", da Sétima temporada da Série Black Mirror, presente na plataforma Netflix e, a visão de psicólogo não deixa passar a necessidade de falar sobre o episódio, pontuando questões que provavelmente, em algum momento esteve, está ou estará presente em nossas trajetórias.

Espero que gostem da reflexão e, se possível, assistam ao episódio, antes e depois de ler.

Boa Leitura.

🎻Há momentos na vida em que não conseguimos mais lembrar do rosto de alguém que foi essencial. Não por desatenção, mas por dor. No episódio Eulogy, da série Black Mirror, o personagem Phily mergulha em um turbilhão psíquico onde o amor mal resolvido se transforma em recalque — e a memória, em campo minado.

🧠 Recalque e o esquecimento do rosto

Na teoria psicanalítica, o recalque é um mecanismo de defesa que visa proteger o ego de conteúdos dolorosos. Em Phily, isso se traduz na dificuldade em acessar lembranças da amada — e, mais especificamente, em não conseguir visualizar seu rosto. As fotos rabiscadas, rasuradas, ou que ocultam sua face são materializações dessa tentativa inconsciente de excluir o objeto do sofrimento.

O rosto é símbolo: é ali que residem as expressões, os afetos, os vínculos. Ao rasurá-lo, Phily não só tenta apagar a figura da outra, mas o próprio vínculo que o machuca. No entanto, o que é recalcado não desaparece — retorna, de forma distorcida, em atos, sonhos e memórias fragmentadas.

💔 A dor da perda não elaborada

Freud, em Luto e Melancolia, diferencia o luto saudável da melancolia patológica. No luto, há um trabalho de desligamento do objeto amado. Já na melancolia, o sujeito permanece aprisionado pela perda, sem saber exatamente o que foi perdido. Phily vive nesse entre-lugar: sente-se abandonado, mas não compreende os porquês — e isso o envenena.

Sua narrativa interna é marcada pela amargura: “ela me deixou sem motivo”. Essa crença reforça a idealização do sofrimento. Porém, aos poucos, as lembranças revelam que o rompimento teve razões, nuances, desencontros. O que parecia abandono absoluto mostra-se como um drama humano: inseguranças, falhas de comunicação, expectativas não ditas.

🪞 A distorção da memória e os fantasmas do amor

A memória, para a psicanálise, não é um arquivo fiel — mas uma construção subjetiva, repleta de afetos. Phily está preso a uma narrativa parcial, marcada por dor e ressentimento. Ao revisitar as lembranças, começa a romper com a idealização do próprio sofrimento e enxergar os contornos reais da relação.

Esse movimento é doloroso, mas necessário: ao reconhecer que houve desencontros dos dois lados, Phily deixa de ser apenas vítima. Passa a ocupar também o lugar de alguém que errou, que não compreendeu, que se afastou — e isso permite a sua reconciliação com o seu passado e lhe abre a possibilidade de seguir em frente, sem o fardo anterior.

🎶 O violoncelo e a essência reencontrada

O momento em que Phily acessa a gravação da música composta pela amada é profundamente simbólico. Ali, ele não só se reconecta com sua imagem — mas com aquilo que ela era em essência. O gosto pela música, o violoncelo, a criação: tudo aquilo que antes ele não conseguia lembrar, emerge com força.

Esse é o instante em que o recalque cede. As barreiras psíquicas se desfazem, permitindo o acesso a memórias negligenciadas. A dor é reconhecida, não mais evitada. O rosto pode ser lembrado, assim como a música pode ser ouvida. O luto enfim acontece — permitindo que a história seja simbolizada.

🌱 A travessia subjetiva: da amargura ao entendimento

O episódio não oferece respostas fáceis, nem redenção mágica. Mas mostra que o entendimento profundo de nossas memórias pode libertar. Ao reconhecer que sua dor tinha história — e que o abandono não foi tão sem motivo assim, na realidade ele nem existiu — Phily consegue tirar o amor do lugar de fantasma e trazê-lo de volta ao campo da experiência.

Nesse sentido, Eulogy nos traz uma apresentação, não sobre uma possibilidade tecnológica futurista, mas sobre psique. É uma ode às complexidades dos vínculos, aos limites da memória, e à coragem de olhar para trás sem distorções. O reencontro com o rosto da amada, com sua música, com sua verdade, é também o reencontro de Phily consigo mesmo.