Grito Silencioso: A Psicanálise e a Dor Psíquica
6/28/20254 min read


Uma voz sem som
A dor é uma experiência universal. Todos, em algum momento da vida, já sentiram seu impacto. Mas há uma dor que não sangra, não incha, não aparece em exames – uma dor que, mesmo invisível, consome por dentro. É a dor psíquica: angústias que apertam o peito, culpas que sufocam, vazios que paralisam, traumas que insistem em ecoar no silêncio da mente.
Renato Russo traduziu poeticamente esse sofrimento ao cantar:
"Disseste que, se tua voz tivesse força, igual à imensa dor que sentes, teu grito acordaria, não só a tua casa, mas a vizinhança inteira!"
Essa frase, carregada de desespero, revela a profundidade do sofrimento interno que muitos vivem calados – um grito mudo que ecoa na alma.
É nesse ponto que a psicanálise surge como um farol. Um espaço onde esse grito, por vezes inaudível, pode finalmente encontrar expressão. Onde a fala se torna ferramenta de cura e o sofrimento encontra espaço para ser escutado, nomeado e elaborado.


A Dor na Perspectiva Psicanalítica
Freud e o Inconsciente
Sigmund Freud, pai da psicanálise, rompeu com a ideia de que a dor mental é apenas fraqueza de
caráter. Ele nos mostrou que o sofrimento psíquico muitas vezes é fruto de conflitos
inconscientes – desejos reprimidos, memórias negadas, afetos contidos.
Os sintomas, como a ansiedade, a angústia ou as fobias, são tentativas do aparelho psíquico
de dar forma ao que não pode ser dito diretamente. Freud chamou isso de formações de compromisso.
E a chave para atravessar esse sofrimento? A fala. Por isso, a psicanálise é também conhecida como cura
pela fala – um processo em que o sujeito dá nome ao indizível e permite que o inconsciente se revele.
Lacan e a Estrutura do Sujeito
Jacques Lacan, relendo Freud à luz da linguagem, nos apresenta um sujeito marcado pela falta
estrutural – o que ele chama de manque-à-être. A dor, nesse contexto, é também expressão
dessa falta, um vazio que resiste à simbolização.
A angústia, por exemplo, não é apenas um sintoma, mas uma experiência que toca o Real – aquilo que
escapa à linguagem, que não pode ser nomeado. A psicanálise, portanto, busca abrir espaço para que
essa dor – mesmo que inicialmente sem palavras – encontre um lugar no discurso. É através do Simbólico,
da linguagem, que o sujeito pode se reinventar.
A Clínica da Dor na Contemporaneidade
J.-D. Nasio: A Dor que Não Engana
Para o psicanalista francês J.-D. Nasio, a dor psíquica é uma verdade absoluta. Ela não pode ser simulada. “A dor não engana”, afirma ele. E mais: muitas vezes, essa dor é a dor de existir – a dor da própria condição humana.
O papel da análise, segundo Nasio, não é eliminar a dor, mas escutá-la, compreendê-la, transformá-la em algo que o sujeito possa suportar. O analista é aquele que acolhe a dor que ainda não tem nome, que oferece escuta mesmo ao silêncio carregado de sofrimento.
Marco Antônio Coutinho Jorge: Sofrimento, Ética e Transformação
Coutinho Jorge traz à tona a dimensão ética da psicanálise. Ele propõe uma distinção crucial entre dor (experiência bruta e imediata) e sofrimento (trabalho psíquico de elaboração dessa dor). A psicanálise não busca suprimir a dor, mas ajudá-la a se transformar em um sofrimento que possa ser simbolizado.
Falar, nesse contexto, é um ato ético e corajoso. É através da fala que o sujeito se responsabiliza por sua dor, se posiciona frente ao seu desejo, e abre espaço para uma nova forma de existir.


O Caminho da Libertação: Psicoterapia e a Força do Grito Transformado em Fala
Retomando Renato Russo, percebemos que o grito que acordaria a vizinhança inteira não precisa sair em alto volume – ele precisa encontrar escuta.
A psicoterapia de base psicanalítica oferece esse espaço seguro: um ambiente onde a dor não será julgada, nem silenciada. Onde o silêncio carregado, o choro contido, a palavra engasgada podem finalmente emergir.
Falar livremente, revisitar perdas, nomear culpas, reconhecer vazios – tudo isso faz parte do processo terapêutico. O analista é aquele que, junto ao paciente, costura os pedaços da dor numa narrativa que ressignifica o sofrimento.
E quando esse grito mudo se transforma em fala, não é mais para acordar a vizinhança. É para despertar o sujeito para si mesmo – para sua história, sua dor, seu desejo. É nesse despertar que a libertação acontece.
Da dor silenciosa ao grito que se transforma em fala, o percurso psicanalítico revela-se um caminho potente de escuta, elaboração e transformação.
A psicanálise nos oferece ferramentas profundas para compreender o sofrimento humano em sua complexidade. Não se trata de curar no sentido médico, mas de permitir



